Finalmente acordei a tempo de pegar o café da manhã do hostel. Era bem básico: pão de forma, queijo, café, leite, sucrilhos. Nada de frutas, sucos ou iogurtes. E ainda tinha que lavar a louça no final. Pelo menos estava incluído na diária, coisa bem rara nos hostels.
Peguei o bonde na Yaffa Road para conhecer o Museu do Holocausto. Andar de bonde em Jerusalém é muito simples. Basta comprar a passagem num caixa automático existente nos pontos. Depois, ao embarcar, tem que validar a passagem numa máquina dentro do bonde. Custa 6,60 shekels (R$4) e é válida por 1 hora e meia, podendo ser usada também nos ônibus.
Desci na estação final, Mount Herzl, num bairro montanhoso e afastado do centro.
O Museu do Holocausto (Yad VaShem) fica perto do ponto final.
Na entrada, o guarda me olhou com uma cara de desconfiado e perguntou de forma ríspida: “Where are you from ?”. Como eu estava com a camisa do Flamengo, ele deve ter confundido com as cores da bandeira da Palestina.
A entrada é gratuita. O museu é bastante interessante e mostra fotos, vídeos, relatos e objetos que retratam o holocausto, que foi o assassinato de 6 milhões de judeus por nazistas alemães em diversos países da Europa durante a 2ª Guerra Mundial. 6 milhões equivale a quase toda a população de judeus que vive atualmente em Israel. Vale notar que na época do holocausto os judeus eram uma minoria (15%) na então Palestina Britânica (territórios atuais de Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia). Após o retorno dos judeus para a “Terra Prometida”, eles são mais ou menos metade da população somada de Israel e dos territórios palestinos .
Não podia tirar foto no museu, mas eu baixei estas fotos da internet:
Em alguns vídeos, sobreviventes relatam detalhes macabros de como foi a captura pelos nazistas, o transporte em vagões superlotados até os campos de concentração, e a rotina de sofrimento nestes lugares. É de embrulhar o estômago.
No parque onde o museu está localizado há jardins e monumentos com homenagens diversas, como o memorial às crianças mortas durante o Holocausto, e a chama eterna.
Peguei o bonde de volta para o centro de Jerusalém, onde comi um falafel no mesmo lugar de ontem: o Mishiko, na rua Ben Yeruda. Essa lanchonete é bem famosa e tem um dos melhores falafels e shawarmas da cidade. É particularmente popular também entre os turistas (quase todos americanos). Todos os atendentes falam inglês.
Muitos restaurantes e lanchonetes exibem na parede o “Kosher Certificate”, atestando que o local só serve alimentos que respeitam a dieta kosher judaica, na qual determinadas regras precisam ser seguidas (como jamais misturar carne com laticínios, por exemplo).
O preço varia de acordo com o tamanho do pão: pita (pão sírio), laffa (um pita maior e mais fino) e baguette. O falafel no pão pita custa 15 shekels (R$9) e no laffa 20 shekels (R$12).
Você escolhe os ingredientes que vão acompanhar o falafel (bolinhas fritas de grão de bico) ou o shawarma (carne de carneiro): hummus, alface, tomate, picles, pepino, cebola, repolho e um molho picante.
Eis o resultado...muito bom !!
Depois resolvi fazer um passeio do tipo “Não Conta Lá em Casa”: fui conhecer a cidade de Belém (Bethlehem, em inglês), que fica na Cisjordânia (Palestina). Muitas agências de turismo de Jerusalém fazem excursões para cidades palestinas. As pessoas em geral se sentem mais seguras indo em grupos, e com um guia local. A questão é que essas excursões são bem caras. A agência de turismo do albergue onde fiquei cobrava 180 shekels (R$110) para um passeio de 4 horas em Belém. Pelo que li no Lonely Planet, era seguro ir por conta própria pra lá, bastando pegar o ônibus 21 na rodoviária árabe de Jerusalém, que fica ao lado do Portão de Damasco da Cidade Antiga. E como sou mochileiro e tenho espírito aventureiro, não pensei duas vezes: “vou pegar esse ônibus !”
Chegando na rodoviária, o ônibus estava lá, parado no ponto, com um monte de passageiros árabes embarcando. Pensei uma, duas, três vezes... confesso que bateu um frio na barriga. Amarelei. O ônibus foi embora, e eu fiquei lá sentado num banco tomando coragem para pegar o próximo. Deu uns 10 minutos e o ônibus seguinte chegou. Minha mente estava tentando encontrar alguma desculpa para eu não ir: “vai ser perrengue demais, não vai valer a pena”, “os soldados israelenses vão me fazer uma sabatina na hora de passar no checkpoint”, “vou me perder lá e nunca mais vou conseguir sair da Palestina”, “não tem nada de interessante lá para ver”. E antes que minha mente inventasse mais coisas, o segundo ônibus foi embora. Joguei a toalha. Levantei e já estava indo embora do lugar, mas me bateu de repente uma vontade louca de entrar no ônibus seguinte. Eu tinha certeza de que depois me arrependeria profundamente se eu fosse embora de Israel sem conhecer a Palestina. Voltei pro ponto. Chegou o terceiro ônibus. Respirei fundo, tomei coragem e entrei nele. Paguei a passagem pro motorista (7,30 shekels = R$4,50). Era um ônibus de turismo com ar condicionado. Só tinha árabes quando entrei, mas depois entraram também duas americanas e um casal gringo também. Uma das americanas (que devia ter uns 25 anos) sentou do meu lado e a gente ficou conversando. Ela falou que é cristã, estava morando por um tempo em Belém, e contou coisas interessantes de lá.
Belém é muito perto de Jerusalém. Fica a apenas 8 Km. Saindo do centro da cidade, o ônibus passou por um túnel, e ao sair do outro lado surgiu a imensidão do deserto.
Placa na estrada:
O trajeto completo não demorou nem meia hora. Não passamos por nenhum checkpoint (controle de fronteira).
Na entrada de Belém, esta placa avisa que estamos entrando num território pertencente à Autoridade Palestina (Área A), e que é ilegal a entrada de cidadãos israelenses.
Explicando isso de maneira rápida: num acordo de paz entre israelenses e palestinos, a Cisjordânia foi dividida em Área A (administrada por palestinos, inclui cidades palestinas como Belém e Ramallah, esta última a capital administrativa da Palestina), Área B (controle militar de Israel e controle civil palestino, inclui vilarejos e áreas rurais palestinas) e Área C (controle israelense, inclui rodovias, assentamentos israelenses e o Mar Morto). Cidadãos israelenses não podem entrar na Área A. Palestinos têm livre acesso a todas as áreas da Cisjordânia, mas não podem entrar em Israel. Eles são barrados nos checkpoints nas rodovias pelos soldados israelenses que fazem o controle de fronteira. Não há como eles entrarem em Israel por fora das rodovias, porque toda a Cisjordânia está cercada por muros. Turistas estrangeiros têm livre acesso a todos os territórios de Israel e da Cisjordânia, bastando mostrar o passaporte quando solicitado nos checkpoints.
Olhando para este mapa fica mais fácil de entender. A parte em verde é administrada por palestinos (Área A), e o restante por israelenses. Os triângulos são assentamentos israelenses na Cisjordânia, motivo de ódio para os palestinos. Jerusalém fica bem na divisa entre a Cisjordânia e Israel.
O governo israelense construiu um muro de cerca de 760km ao redor da Cisjordânia sob o pretexto de evitar a entrada de terroristas palestinos em seu território. Após grande parte do muro ter sido concluída em 2005, o número de atentados suicidas em território israelense de fato foi reduzindo drasticamente. No mapa abaixo, em vermelho, o traçado dos trechos concluídos do muro até no ano passado:
Jerusalém está em território israelense, e o muro passa fora da cidade (linha vermelha no mapa abaixo). Desta forma, palestinos habitantes da Cisjordânia não podem entrar em Jerusalém, uma das cidades sagradas para o islamismo. Os israelenses têm total controle sobre toda a cidade, incluindo a parte oriental, que é árabe e pertencia à Jordânia (assim como toda a Cisjordânia) antes da guerra de 1967 vencida por Israel.
Um trecho do muro na entrada de Belém:
O ônibus parou no ponto final, e ao descer dele, eu e os outros turistas fomos abordados por taxistas palestinos que queriam empurrar pra gente passeios com preços astronômicos. Eu tentei me afastar dali o máximo que eu pude e entrei na primeira rua que eu vi. O cara que veio atrás de mim era muito, mas muito chato e insistente. Eu falei várias vezes que não queria, mas ele sumia e minutos depois aparecia de novo tentando me convencer a pagar 150 shekels (R$92) por duas horas de passeio de taxi pelos principais pontos turísticos de Belém. Fui categórico: “I am the wrong guy, you are wasting your time”, mas mesmo assim ele ia atrás de mim. “Excuse me ! Excuse me ! My friend, wrong direction ! Wrong direction ! There’s nothing there !”. Ele ficava me mostrando um mapa, dizia que eu estava indo na direção errada e que as atrações eram para outro lado. Eu não tinha um mapa de Belém, e realmente não fazia idéia do caminho que deveria fazer para chegar à zona turística (onde fica a Igreja da Natividade), mas só pensava me afastar daquele mala. E deu certo. Deixei o cara falando sozinho, e depois de um tempo ele desistiu. Um quarteirão depois, olha só o que aparece: uma placa indicando o caminho da Igreja da Natividade !! Eu estava indo mesmo na direção correta, e o taxista mala estava querendo me enganar. Meu senso de direção intuitiva estava apurado
Como estava sem mapa, bastou ir seguindo as placas e ir prestando atenção nas ruas, pois na volta teria que fazer o mesmo caminho de volta para chegar ao ponto de ônibus.
Belém é famosa no muito todo por ser a cidade onde Jesus nasceu. Eu imaginava um pequeno vilarejo palestino com casas pobres, gente humilde, rebanhos de cabras e paisagens bucólicas, mas me surpreendi. É uma cidade de 30 mil habitantes, com muitos prédios, hotéis, bancos, e um comércio diversificado. Confesso que não vi nenhuma pobreza. Muitos carrões passavam pelas ruas.
Vi muitos turistas estrangeiros na cidade, mas bem menos que em Jerusalém. Nenhum brasileiro. Em Jerusalém vi alguns poucos brasileiros.
Uma mesquita ao lado de uma propaganda de bicicleta, com link no Facebook e tudo:
Tudo em árabe...
Os números das casas também aparecem em algarismos árabes:
Os palestinos tem suas próprias empresas de serviços públicos (como telecomunicações) e bancos, não dependendo desta forma das empresas israelenses. Um orelhão (quebrado) da Palestine Telecomunications:
Bank of Palestine:
Provedor de internet:
Um ícone do capitalismo norte-americano bem no meio da Palestina:
Orgulho palestino:
Carro da polícia palestina:
Enfim, depois de caminhar uns 20 minutos, cheguei à zona turística de Belém. Esta é a Praça da Manjedoura:
A distância para Jerusalém. Tão perto que dava até pra ir correndo ou de bicicleta
“Reze pela liberdade da Palestina”
A Igreja da Natividade, famosa por ter sido construída no local onde acredita-se que Jesus nasceu, uma estribaria com animais guardados por pastores. É uma das igrejas mais antigas do mundo, construída no século 4, época em que a região era uma província do Império Romano.
A entrada da igreja é feita por uma porta minúscula:
O interior desta igreja é bastante simples:
Uma parte do piso original da igreja, um mosaico romano:
Uma multidão de turistas se aglomeravam para tocar na estrela prateada, o ponto onde acredita-se que Jesus nasceu:
Aqui acredita-se que existia a manjedoura (lugar utilizado para alimentação de animais) onde Jesus foi colocado logo após ter nascido:
Saindo da igreja, dei uma volta rápida pelos quarteirões da Cidade Antiga, onde a Praça da Manjedoura e a Igreja da Natividade estão localizadas.
Mercados e uma mesquita:
Apesar da proximidade com Jerusalém, a Palestina na prática é realmente um outro país. A única coisa que faz lembrar Israel é a moeda (a Palestina também usa o shekel). Todo o resto é diferente: a cultura, o idioma, a religião...
Não há nenhum sinal do idioma hebraico em Belém. Nem mesmo nas placas indicando atrações turísticas. Os palestinos em geral falam inglês, então não tive problemas para me comunicar.
Pichações em árabe:
Mercados:
Os preços na Palestina são bem mais baixos que em Israel, incluindo aí alimentação e hospedagem.
Moda muçulmana:
Um portão na Cidade Antiga:
Grifes da lojas: Ralph Lauren, Hugo Boss, Calvin Klein, Brazil... :-)
Cartaz de um festival de música e dança com grupos palestinos e suecos. “Musica além das fronteiras”, diz o cartaz.
A bandeira palestina entre a foto do atual presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, e do anterior, Yasser Arafat, que morreu em 2004. A ANP governa a Área A da Cisjordânia (cidades palestinas), além de ter controle civil (mas não militar) da Área B (vilarejos palestinos e áreas rurais). Governa também toda a Faixa de Gaza. O Estado da Palestina é atualmente reconhecido pela ONU e por 138 países, entre eles o Brasil. Apenas 9 não o reconhecem, entre eles os EUA, Israel (óbvio) e o Canadá.
Cartaz com a imagem do nascimento de Jesus e o mapa da Palestina ao fundo:
Bandeira palestina:
Começou a ficar tarde e resolvi voltar pra Jerusalém. Fui fazendo o caminho de volta para o ponto do ônibus tentando me lembrar das ruas por onde passei na ida. Chegou uma hora que comecei a perceber que estava indo pelo caminho errado. Acontece que isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, porque me deparei, assim meio que sem querer, com a imensidão do muro que cerca a Cisjordânia. Esse muro passa dentro da cidade e me fez lembrar muito o muro de Berlim, porque também tem muitos grafittis e mensagens de protesto. A diferença é que o muro da Cisjordânia é muito mais alto. Neste trecho devia ter quase 10 metros !!
Alguns grafittis são emblemáticos: “Love wins”, “The wall must fall’, “Palestine will never die”. A sensação que fica é a de que a história de Berlim se repete na Palestina.
Um cartaz colado no muro avisa: "Este local foi ocupado ilegalmente”.
Voltei alguns quarteirões no caminho que tinha feito e consegui encontrar o ponto do ônibus:
Poucos minutos depois, passamos no temido checkpoint para poder entrar em território israelense. Parecia um pedágio. O ônibus encostou e todos os árabes desceram para apresentar seus documentos para os soldados israelenses. Palestinos são proibidos de entrar em Israel. Estes árabes são cidadãos israelenses, muito provavelmente moradores de Jerusalém Oriental, que nasceram em Israel e formam cerca de 20% da população do país.
Os turistas estrangeiros não precisaram descer do ônibus. Subiram dois soldados israelenses (armados com fuzil) e pediram o passaporte a cada um dos passageiros. Momento tenso, mas no final das contas, não deu nada. O soldado só olhou o meu passaporte (nem abriu), e não perguntou nada.
No caminho de volta, a estrada passa por diversos trechos do muro que cerca a Cisjordânia (Palestina):
O ônibus chegou na rodoviária árabe de Jerusalém, e fui caminhando pela Yaffa Road.
Neste local, na movimentada esquina da Yaffa Road com King George Street, onde havia uma filial da rede de pizzarias Sbarro, aconteceu em 2001 um dos piores atentados terroristas da história de Jerusalém, de autoria de um suicida do grupo extremista islâmico Hamas. 15 pessoas morreram. Hoje no local há uma padaria.
Foi colocada uma placa em hebraico no local do atentado em homenagem às vítimas.
Felizmente os anos violentos em Israel parecem ter ficado para trás. Atualmente os confilitos estão concentrados na região da Faixa de Gaza, governada pelos fundamentalistas do Hamas. Jerusalém não teve nenhum atentado de 2004 até 2011, quando explodiu uma bomba num ponto de ônibus, matando uma pessoa. O governo israelense atribui a redução dos atentados à construção do muro em volta da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, o que estaria impedindo a entrada de terroristas palestinos em Israel. Desta forma, Israel vive uma espécie de renascimento, e o turismo, que estava sériamente afetado na época mais violenta há 10 anos, voltou com força ao país.
Vi este enigmático cartaz em muitos lugares de Jerusalém. Trata-se de uma homenagem póstuma ao rabino Menachem Mendel Schneerson, que foi um famoso líder de uma ramificação do judaísmo ortodoxo.
Comi um shwarma (kebab) na rua Ben Yeruda (26 shekels = R$16) e voltei pro albergue.
No quarto chegaram um italiano e dois caras de Taiwan. Eles ficaram espantados com a minha coragem quando eu disse que fui sozinho num ônibus árabe pra Palestina. Sobrevivi e voltei inteiro, são e salvo. Valeu muito a pena, foi uma experiência única !! Não tenho dúvidas de que corro mais riscos andando de noite numa rua deserta em qualquer grande cidade brasileira. Posso dizer que é totalmente seguro ir de Jerusalém para a Palestina por conta própria. Imaginava um monstro, e foi uma formiga. Em vez de gastar 180 shekels (R$110) com uma excursão, gastei apenas 14,60 (R$ 9) ! O medo, definitivamente, é caro.
Os taiwaneses também ficaram surpresos quando eu disse que no Brasil temos direito a 1 mês de férias por ano. Eles falaram que em Taiwan é só uma semana, e por isso, as pessoas aproveitam para viajar mais quando ainda são estudantes, porque sabem que depois que começam a trabalhar, praticamente não tem descanso. Dá pra ser feliz com 1 semana de férias por ano ??
Peguei o bonde na Yaffa Road para conhecer o Museu do Holocausto. Andar de bonde em Jerusalém é muito simples. Basta comprar a passagem num caixa automático existente nos pontos. Depois, ao embarcar, tem que validar a passagem numa máquina dentro do bonde. Custa 6,60 shekels (R$4) e é válida por 1 hora e meia, podendo ser usada também nos ônibus.
Desci na estação final, Mount Herzl, num bairro montanhoso e afastado do centro.
O Museu do Holocausto (Yad VaShem) fica perto do ponto final.
Na entrada, o guarda me olhou com uma cara de desconfiado e perguntou de forma ríspida: “Where are you from ?”. Como eu estava com a camisa do Flamengo, ele deve ter confundido com as cores da bandeira da Palestina.
A entrada é gratuita. O museu é bastante interessante e mostra fotos, vídeos, relatos e objetos que retratam o holocausto, que foi o assassinato de 6 milhões de judeus por nazistas alemães em diversos países da Europa durante a 2ª Guerra Mundial. 6 milhões equivale a quase toda a população de judeus que vive atualmente em Israel. Vale notar que na época do holocausto os judeus eram uma minoria (15%) na então Palestina Britânica (territórios atuais de Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia). Após o retorno dos judeus para a “Terra Prometida”, eles são mais ou menos metade da população somada de Israel e dos territórios palestinos .
Não podia tirar foto no museu, mas eu baixei estas fotos da internet:
Em alguns vídeos, sobreviventes relatam detalhes macabros de como foi a captura pelos nazistas, o transporte em vagões superlotados até os campos de concentração, e a rotina de sofrimento nestes lugares. É de embrulhar o estômago.
No parque onde o museu está localizado há jardins e monumentos com homenagens diversas, como o memorial às crianças mortas durante o Holocausto, e a chama eterna.
Peguei o bonde de volta para o centro de Jerusalém, onde comi um falafel no mesmo lugar de ontem: o Mishiko, na rua Ben Yeruda. Essa lanchonete é bem famosa e tem um dos melhores falafels e shawarmas da cidade. É particularmente popular também entre os turistas (quase todos americanos). Todos os atendentes falam inglês.
Muitos restaurantes e lanchonetes exibem na parede o “Kosher Certificate”, atestando que o local só serve alimentos que respeitam a dieta kosher judaica, na qual determinadas regras precisam ser seguidas (como jamais misturar carne com laticínios, por exemplo).
O preço varia de acordo com o tamanho do pão: pita (pão sírio), laffa (um pita maior e mais fino) e baguette. O falafel no pão pita custa 15 shekels (R$9) e no laffa 20 shekels (R$12).
Você escolhe os ingredientes que vão acompanhar o falafel (bolinhas fritas de grão de bico) ou o shawarma (carne de carneiro): hummus, alface, tomate, picles, pepino, cebola, repolho e um molho picante.
Eis o resultado...muito bom !!
Depois resolvi fazer um passeio do tipo “Não Conta Lá em Casa”: fui conhecer a cidade de Belém (Bethlehem, em inglês), que fica na Cisjordânia (Palestina). Muitas agências de turismo de Jerusalém fazem excursões para cidades palestinas. As pessoas em geral se sentem mais seguras indo em grupos, e com um guia local. A questão é que essas excursões são bem caras. A agência de turismo do albergue onde fiquei cobrava 180 shekels (R$110) para um passeio de 4 horas em Belém. Pelo que li no Lonely Planet, era seguro ir por conta própria pra lá, bastando pegar o ônibus 21 na rodoviária árabe de Jerusalém, que fica ao lado do Portão de Damasco da Cidade Antiga. E como sou mochileiro e tenho espírito aventureiro, não pensei duas vezes: “vou pegar esse ônibus !”
Chegando na rodoviária, o ônibus estava lá, parado no ponto, com um monte de passageiros árabes embarcando. Pensei uma, duas, três vezes... confesso que bateu um frio na barriga. Amarelei. O ônibus foi embora, e eu fiquei lá sentado num banco tomando coragem para pegar o próximo. Deu uns 10 minutos e o ônibus seguinte chegou. Minha mente estava tentando encontrar alguma desculpa para eu não ir: “vai ser perrengue demais, não vai valer a pena”, “os soldados israelenses vão me fazer uma sabatina na hora de passar no checkpoint”, “vou me perder lá e nunca mais vou conseguir sair da Palestina”, “não tem nada de interessante lá para ver”. E antes que minha mente inventasse mais coisas, o segundo ônibus foi embora. Joguei a toalha. Levantei e já estava indo embora do lugar, mas me bateu de repente uma vontade louca de entrar no ônibus seguinte. Eu tinha certeza de que depois me arrependeria profundamente se eu fosse embora de Israel sem conhecer a Palestina. Voltei pro ponto. Chegou o terceiro ônibus. Respirei fundo, tomei coragem e entrei nele. Paguei a passagem pro motorista (7,30 shekels = R$4,50). Era um ônibus de turismo com ar condicionado. Só tinha árabes quando entrei, mas depois entraram também duas americanas e um casal gringo também. Uma das americanas (que devia ter uns 25 anos) sentou do meu lado e a gente ficou conversando. Ela falou que é cristã, estava morando por um tempo em Belém, e contou coisas interessantes de lá.
Belém é muito perto de Jerusalém. Fica a apenas 8 Km. Saindo do centro da cidade, o ônibus passou por um túnel, e ao sair do outro lado surgiu a imensidão do deserto.
Placa na estrada:
O trajeto completo não demorou nem meia hora. Não passamos por nenhum checkpoint (controle de fronteira).
Na entrada de Belém, esta placa avisa que estamos entrando num território pertencente à Autoridade Palestina (Área A), e que é ilegal a entrada de cidadãos israelenses.
Explicando isso de maneira rápida: num acordo de paz entre israelenses e palestinos, a Cisjordânia foi dividida em Área A (administrada por palestinos, inclui cidades palestinas como Belém e Ramallah, esta última a capital administrativa da Palestina), Área B (controle militar de Israel e controle civil palestino, inclui vilarejos e áreas rurais palestinas) e Área C (controle israelense, inclui rodovias, assentamentos israelenses e o Mar Morto). Cidadãos israelenses não podem entrar na Área A. Palestinos têm livre acesso a todas as áreas da Cisjordânia, mas não podem entrar em Israel. Eles são barrados nos checkpoints nas rodovias pelos soldados israelenses que fazem o controle de fronteira. Não há como eles entrarem em Israel por fora das rodovias, porque toda a Cisjordânia está cercada por muros. Turistas estrangeiros têm livre acesso a todos os territórios de Israel e da Cisjordânia, bastando mostrar o passaporte quando solicitado nos checkpoints.
Olhando para este mapa fica mais fácil de entender. A parte em verde é administrada por palestinos (Área A), e o restante por israelenses. Os triângulos são assentamentos israelenses na Cisjordânia, motivo de ódio para os palestinos. Jerusalém fica bem na divisa entre a Cisjordânia e Israel.
O governo israelense construiu um muro de cerca de 760km ao redor da Cisjordânia sob o pretexto de evitar a entrada de terroristas palestinos em seu território. Após grande parte do muro ter sido concluída em 2005, o número de atentados suicidas em território israelense de fato foi reduzindo drasticamente. No mapa abaixo, em vermelho, o traçado dos trechos concluídos do muro até no ano passado:
Jerusalém está em território israelense, e o muro passa fora da cidade (linha vermelha no mapa abaixo). Desta forma, palestinos habitantes da Cisjordânia não podem entrar em Jerusalém, uma das cidades sagradas para o islamismo. Os israelenses têm total controle sobre toda a cidade, incluindo a parte oriental, que é árabe e pertencia à Jordânia (assim como toda a Cisjordânia) antes da guerra de 1967 vencida por Israel.
Um trecho do muro na entrada de Belém:
O ônibus parou no ponto final, e ao descer dele, eu e os outros turistas fomos abordados por taxistas palestinos que queriam empurrar pra gente passeios com preços astronômicos. Eu tentei me afastar dali o máximo que eu pude e entrei na primeira rua que eu vi. O cara que veio atrás de mim era muito, mas muito chato e insistente. Eu falei várias vezes que não queria, mas ele sumia e minutos depois aparecia de novo tentando me convencer a pagar 150 shekels (R$92) por duas horas de passeio de taxi pelos principais pontos turísticos de Belém. Fui categórico: “I am the wrong guy, you are wasting your time”, mas mesmo assim ele ia atrás de mim. “Excuse me ! Excuse me ! My friend, wrong direction ! Wrong direction ! There’s nothing there !”. Ele ficava me mostrando um mapa, dizia que eu estava indo na direção errada e que as atrações eram para outro lado. Eu não tinha um mapa de Belém, e realmente não fazia idéia do caminho que deveria fazer para chegar à zona turística (onde fica a Igreja da Natividade), mas só pensava me afastar daquele mala. E deu certo. Deixei o cara falando sozinho, e depois de um tempo ele desistiu. Um quarteirão depois, olha só o que aparece: uma placa indicando o caminho da Igreja da Natividade !! Eu estava indo mesmo na direção correta, e o taxista mala estava querendo me enganar. Meu senso de direção intuitiva estava apurado
Como estava sem mapa, bastou ir seguindo as placas e ir prestando atenção nas ruas, pois na volta teria que fazer o mesmo caminho de volta para chegar ao ponto de ônibus.
Belém é famosa no muito todo por ser a cidade onde Jesus nasceu. Eu imaginava um pequeno vilarejo palestino com casas pobres, gente humilde, rebanhos de cabras e paisagens bucólicas, mas me surpreendi. É uma cidade de 30 mil habitantes, com muitos prédios, hotéis, bancos, e um comércio diversificado. Confesso que não vi nenhuma pobreza. Muitos carrões passavam pelas ruas.
Vi muitos turistas estrangeiros na cidade, mas bem menos que em Jerusalém. Nenhum brasileiro. Em Jerusalém vi alguns poucos brasileiros.
Uma mesquita ao lado de uma propaganda de bicicleta, com link no Facebook e tudo:
Tudo em árabe...
Os números das casas também aparecem em algarismos árabes:
Os palestinos tem suas próprias empresas de serviços públicos (como telecomunicações) e bancos, não dependendo desta forma das empresas israelenses. Um orelhão (quebrado) da Palestine Telecomunications:
Bank of Palestine:
Provedor de internet:
Um ícone do capitalismo norte-americano bem no meio da Palestina:
Orgulho palestino:
Carro da polícia palestina:
Enfim, depois de caminhar uns 20 minutos, cheguei à zona turística de Belém. Esta é a Praça da Manjedoura:
A distância para Jerusalém. Tão perto que dava até pra ir correndo ou de bicicleta
“Reze pela liberdade da Palestina”
A Igreja da Natividade, famosa por ter sido construída no local onde acredita-se que Jesus nasceu, uma estribaria com animais guardados por pastores. É uma das igrejas mais antigas do mundo, construída no século 4, época em que a região era uma província do Império Romano.
A entrada da igreja é feita por uma porta minúscula:
O interior desta igreja é bastante simples:
Uma parte do piso original da igreja, um mosaico romano:
Uma multidão de turistas se aglomeravam para tocar na estrela prateada, o ponto onde acredita-se que Jesus nasceu:
Aqui acredita-se que existia a manjedoura (lugar utilizado para alimentação de animais) onde Jesus foi colocado logo após ter nascido:
Saindo da igreja, dei uma volta rápida pelos quarteirões da Cidade Antiga, onde a Praça da Manjedoura e a Igreja da Natividade estão localizadas.
Mercados e uma mesquita:
Apesar da proximidade com Jerusalém, a Palestina na prática é realmente um outro país. A única coisa que faz lembrar Israel é a moeda (a Palestina também usa o shekel). Todo o resto é diferente: a cultura, o idioma, a religião...
Não há nenhum sinal do idioma hebraico em Belém. Nem mesmo nas placas indicando atrações turísticas. Os palestinos em geral falam inglês, então não tive problemas para me comunicar.
Pichações em árabe:
Mercados:
Os preços na Palestina são bem mais baixos que em Israel, incluindo aí alimentação e hospedagem.
Moda muçulmana:
Um portão na Cidade Antiga:
Grifes da lojas: Ralph Lauren, Hugo Boss, Calvin Klein, Brazil... :-)
Cartaz de um festival de música e dança com grupos palestinos e suecos. “Musica além das fronteiras”, diz o cartaz.
A bandeira palestina entre a foto do atual presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, e do anterior, Yasser Arafat, que morreu em 2004. A ANP governa a Área A da Cisjordânia (cidades palestinas), além de ter controle civil (mas não militar) da Área B (vilarejos palestinos e áreas rurais). Governa também toda a Faixa de Gaza. O Estado da Palestina é atualmente reconhecido pela ONU e por 138 países, entre eles o Brasil. Apenas 9 não o reconhecem, entre eles os EUA, Israel (óbvio) e o Canadá.
Cartaz com a imagem do nascimento de Jesus e o mapa da Palestina ao fundo:
Bandeira palestina:
Começou a ficar tarde e resolvi voltar pra Jerusalém. Fui fazendo o caminho de volta para o ponto do ônibus tentando me lembrar das ruas por onde passei na ida. Chegou uma hora que comecei a perceber que estava indo pelo caminho errado. Acontece que isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, porque me deparei, assim meio que sem querer, com a imensidão do muro que cerca a Cisjordânia. Esse muro passa dentro da cidade e me fez lembrar muito o muro de Berlim, porque também tem muitos grafittis e mensagens de protesto. A diferença é que o muro da Cisjordânia é muito mais alto. Neste trecho devia ter quase 10 metros !!
Alguns grafittis são emblemáticos: “Love wins”, “The wall must fall’, “Palestine will never die”. A sensação que fica é a de que a história de Berlim se repete na Palestina.
Um cartaz colado no muro avisa: "Este local foi ocupado ilegalmente”.
Voltei alguns quarteirões no caminho que tinha feito e consegui encontrar o ponto do ônibus:
Poucos minutos depois, passamos no temido checkpoint para poder entrar em território israelense. Parecia um pedágio. O ônibus encostou e todos os árabes desceram para apresentar seus documentos para os soldados israelenses. Palestinos são proibidos de entrar em Israel. Estes árabes são cidadãos israelenses, muito provavelmente moradores de Jerusalém Oriental, que nasceram em Israel e formam cerca de 20% da população do país.
Os turistas estrangeiros não precisaram descer do ônibus. Subiram dois soldados israelenses (armados com fuzil) e pediram o passaporte a cada um dos passageiros. Momento tenso, mas no final das contas, não deu nada. O soldado só olhou o meu passaporte (nem abriu), e não perguntou nada.
No caminho de volta, a estrada passa por diversos trechos do muro que cerca a Cisjordânia (Palestina):
O ônibus chegou na rodoviária árabe de Jerusalém, e fui caminhando pela Yaffa Road.
Neste local, na movimentada esquina da Yaffa Road com King George Street, onde havia uma filial da rede de pizzarias Sbarro, aconteceu em 2001 um dos piores atentados terroristas da história de Jerusalém, de autoria de um suicida do grupo extremista islâmico Hamas. 15 pessoas morreram. Hoje no local há uma padaria.
Foi colocada uma placa em hebraico no local do atentado em homenagem às vítimas.
Felizmente os anos violentos em Israel parecem ter ficado para trás. Atualmente os confilitos estão concentrados na região da Faixa de Gaza, governada pelos fundamentalistas do Hamas. Jerusalém não teve nenhum atentado de 2004 até 2011, quando explodiu uma bomba num ponto de ônibus, matando uma pessoa. O governo israelense atribui a redução dos atentados à construção do muro em volta da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, o que estaria impedindo a entrada de terroristas palestinos em Israel. Desta forma, Israel vive uma espécie de renascimento, e o turismo, que estava sériamente afetado na época mais violenta há 10 anos, voltou com força ao país.
Vi este enigmático cartaz em muitos lugares de Jerusalém. Trata-se de uma homenagem póstuma ao rabino Menachem Mendel Schneerson, que foi um famoso líder de uma ramificação do judaísmo ortodoxo.
Comi um shwarma (kebab) na rua Ben Yeruda (26 shekels = R$16) e voltei pro albergue.
No quarto chegaram um italiano e dois caras de Taiwan. Eles ficaram espantados com a minha coragem quando eu disse que fui sozinho num ônibus árabe pra Palestina. Sobrevivi e voltei inteiro, são e salvo. Valeu muito a pena, foi uma experiência única !! Não tenho dúvidas de que corro mais riscos andando de noite numa rua deserta em qualquer grande cidade brasileira. Posso dizer que é totalmente seguro ir de Jerusalém para a Palestina por conta própria. Imaginava um monstro, e foi uma formiga. Em vez de gastar 180 shekels (R$110) com uma excursão, gastei apenas 14,60 (R$ 9) ! O medo, definitivamente, é caro.
Os taiwaneses também ficaram surpresos quando eu disse que no Brasil temos direito a 1 mês de férias por ano. Eles falaram que em Taiwan é só uma semana, e por isso, as pessoas aproveitam para viajar mais quando ainda são estudantes, porque sabem que depois que começam a trabalhar, praticamente não tem descanso. Dá pra ser feliz com 1 semana de férias por ano ??
Estou gostando destas viagens.
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